O mar revolto balançava o barco de pesca, a
chuva castigava e o céu negro esbravejava.
Silva
nunca tinha sido um católico fervoroso, como suas tias e sua mãe, na verdade
ele sempre tinha sido um homem duro, de poucas palavras, como o pai, suas mãos
calejadas de sol, chuva, areia e a rede de pesca, mostravam mais sobre seu
caráter do que qualquer outra marca que sua alma podia mostrar. Silva era
inflexível, duro, curtido, fosse devido à vida dura, fosse devido à velhice e a
artrite.
Já era hora de voltar quando ele vira a
tempestade se formando, nunca fora alguém supersticioso, mas ele temeu, os que
conhecem o mar sabem que não se brinca nem se desafia, não existem vencedores,
apenas destroços.
Silva
se lembrou da pequena imagem, que a mãe, devota de Nossa Senhora, insistira
para que seu pai tivesse no barco a imagem da santa, ela estava ali e quando o
mar começou a castigar o pequeno barco, o velho pescador orou baixinho, a
primeira oração em tempos, a única que se lembrava da época de criança “Mãezinha
de Deus, eu não sei rezar, eu só sei dizer quero te amar, azul é teu manto,
branco é teu véu, Mãezinha eu quero te ver lá no céu”, depois pediu para ser
salvo, para que a chuva se acalmasse.
O
barco era jogado pelos cantos por ondas grandes, os trovões ribombavam e os
raios cortavam a escuridão da noite, o vento trazia a chuva que batia na face
calejada de Silva.
Quando
criança Silva aprendia o oficio de pescador, ele era o filho mais velho e com
10 anos já precisava ajudar em casa, os outros dois irmãos precisavam ser
alimentados, então Silva foi o único dos 4 irmãos que não concluiu a escola, a
ultima de suas irmãs nasceu quando ele tinha 13 e era a única menina entre os
irmãos e era mimada pelo pai.
Silva
se lembrava de como ele aprendera as coisas com o velho pai, que morreu cedo,
com 56 anos, quando ele tinha apenas 20, aprendeu a ver os nós da rede, como o
mar se comportava e como respeitar o mar. Silva sempre trabalhou para ajudar
sua casa, nunca se casou, nunca teve filhos.
Silva
hoje ajuda a consertar barcos, pesca somente no barranco e está casado com uma
das viúvas, visita a igreja aos sábados e conta sua semana a Nossa Senhora, diz
que ele aprendeu a lição.
Algumas
pessoas da vila às vezes falam que foi um milagre, mas eu e Silva sabemos que
foi a Mãezinha, acho que a tempestade trouxe para Silva o que ele realmente
precisava uma vida de alegria, isso me faz pensar se alguns males não vêm para
o bem... Silva teve um filho e as vezes ele trás o garoto de 3 anos para
conversar com a sua salvadora, e conta a historia de uma noite escura e
chuvosa, onde o barco foi estraçalhado contra as pedras, mas ele viveu.
Historias
de igrejas e seus milagres ou Silva e suas historias de pescador? Veneno de uma
aranha ou historias de um contador?