segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Os Contos da Tecedeira: A Fé

Eram velas, todas de cera, cada uma delas colocadas no altar em frente a imagem que estava ali, desde muito novo eu via os moradores indo e vindo, colocando suas velas, mas o altar era de madeira e a porta um dia ficou aberta, uma das velas que não tinham se apagado caiu e aquilo tudo virou cinzas.
     Pretas e cinzentas fuligens de um santo e eles choraram, quando perceberam, a fumaça já me deixava tonta, mesmo recolhida na escuridão, eu pude vê-los buscando baldes e gritando “Por que você não nos chamou?”, suas feições demonstravam o quão humildes eles eram, também mostravam lagrimas, pessoas correndo, algumas tossindo, mas a pequena igreja não queimou.
     Durante anos o canto enegrecido das chamas ficou ali, agora com a porta lateral trancada com cadeados e depois de alguns anos, uma nova imagem chegou, uma grande estatua, generosa de braços abertos e sorriso benevolente, não era a mesma, mas ainda sim, as velas aos poucos voltaram, e depois de alguns dias os beijos no pé da santa, os choros, as rezas, toda a rotina normal, parecia que a madeira para manter a cabeça fora da água estava de volta. A fé, que não tem nada de ordinária ou mundana, que é capaz de transpor obstáculos incalculáveis talvez seja a resposta que os humanos precisem.
     Cada um de nós parece compartilhar de uma fé intangível, algo que acreditamos, como um futuro melhor, um novo dia, uma poderosa teia entrelaçando conforto, amor, amizade onde poderemos nos apoiar de quando em quando. Ver todas essas pessoas e suas orações, toda a fé e esperança que elas trazem desperta uma duvida interessante, se não acreditarmos em algo maior, algo que seja exponencialmente mais do que qualquer um imagina e com certeza maior do que qualquer religião diz saber ser, acreditaríamos em que? Se não soubermos que existe uma forma de ordem no caos e que confortavelmente a pós-vida se apresenta, será que teceríamos com tanto cuidado, tanto tempo perdido?

     Eu sinceramente não sei, mas como uma aranha em um canto de uma igrejinha, eu acho que eu devo acreditar que existe uma força que ordena o caos, que existe algo que move as cordas nessa teia maior. Mas não tenho certeza, afinal como posso eu ter tanta certeza? Sou apenas uma aranha.

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